O Dia Internacional do Conservador e do Restaurador, comemorado em 27 de janeiro, é uma oportunidade de celebrar e dar visibilidade ao trabalho desses profissionais que preservam a memória e a identidade de diferentes gerações. O restaurador é aquele que luta contra o tempo, devolvendo a vida a objetos, móveis, edifícios e obras que carregam histórias. Neste contexto, a profissão se torna uma ponte entre o passado e o presente, conectando-nos com o legado de nossos antepassados e garantindo que ele permaneça para o futuro.
Para celebrar a data, entrevistamos o restaurador e professor do Ateliê de Artes e Ofícios do Jockey Clube de São Paulo, Victor Massao Verardi Hiarita, que compõe a equipe da Elysium Sociedade Cultural.
1 – Para quem não está familiarizado, como você explicaria o que faz um restaurador e a importância dessa profissão para a preservação do patrimônio cultural?
Victor – De forma mais poética, o restaurador é quem luta contra a ação do tempo. De forma mais prática, é a profissão que “põe de volta”, reconstitui e arruma móveis e objetos antigos, dando uma sobrevida ou mesmo uma nova vida a eles. De alguma forma, nós também tentamos “des-anacronizar” algumas coisas, em outras palavras, trazer aos tempos atuais objetos que vieram de tempos passados.
2 – O que te motivou a escolher a restauração como carreira?
Victor – Ironicamente, talvez ela tenha me escolhido mais do que o inverso. Sempre gostei de história e antiguidades, mas foi pela metade da faculdade que me deparei com algumas ações de preservação e restauro de um imóvel, em minha cidade, que me aproximei mais. Daí fui selecionado para participar do Ateliê de Artes e Ofícios do Jockey Clube de São Paulo, um projeto da Elysium Sociedade Cultural, cujo qual hoje “co-coordeno” e leciono. Atualmente o restauro já é algo intrínseco, mesmo também trabalhando com outras coisas, a forma de enxergar o mundo não muda. Tudo vira história.
3 – Quando e como você começou a trabalhar com restauro?
Victor – Se formos ser radicais, em outras palavras, irmos à raiz, comecei bem pequeno. Peguei a curiosidade genética de abrir coisas. Infelizmente não peguei a genética de saber colocá-las de volta para funcionar, mas vamos pensar que existe uma progressão mais sutil nisso. Agora, quando me encontro confiante o suficiente para tentar, de fato, restaurar algo, deve ter sido em 2023. Bem recente. Comecei com um conjunto de salvas de prata que um conhecido havia comprado. Desde então foi sempre algo que deixei em aberto. O trabalho mais constante com restauro foi no começo de 2024, quando comecei a trabalhar no curso de restauro do Ateliê de Artes e Ofícios do Jockey Clube e na oficina de Ivo Salomão, que é um de meus grandes mestres.
4 – O que você dá mais alegria no dia a dia da sua profissão?
Victor – Para isso preciso voltar à resposta poética que dei no começo. Minha maior felicidade é a de, inconscientemente, saber que estamos ganhando contra o tempo. Contudo, o que me incentiva mais é o pensamento ecológico. Enquanto estamos restaurando, ou melhor ainda, mantendo – afinal, o restauro é o último dos processos, seria melhor nunca precisar chegar nele – não estamos gastando mais matéria-prima, energia e tempo para fazer algo novo. “Ajudando o mundo, uma cadeira de cada vez”.
5 – Tem algum projeto em especial que você mais gostou de trabalhar?
Victor – O meu favorito, e também o mais significativo para mim, até o momento não foi nenhum que fiz, mas sim um que supervisionei. Em nossa segunda turma do Ateliê de Artes e Ofícios, na matéria de madeira que se provou um desafio interessante. A proposta era pedir aos alunos restaurar uma cadeira Cimo 1001. Um ícone da empresa e do desenho industrial de mobiliário da década de 50. Foram algumas semanas de dedicação, mas todos entregaram lindos trabalhos. Viram de tudo, desde tratamento mais básicos na madeira, até recomposições e finalização das peças. Ver os alunos se empenhando tanto em terminar e, claro, o resultado que chegaram, foi muito especial. Ainda mais porque eu estava supervisionando.
6 – Que conselho você daria para quem quer atuar nessa área?
Victor – Acho que primeiro é preciso deixar um pouco o romantismo do restauro de lado. Não é um mundo fácil. Nenhum é. Não entre achando que você vai se isolar em sua oficina e ficar quieto. Não vai. Muitas coisas precisam ser feitas, desde buscar fornecedores de materiais e ferramentas até caçar clientes, que é a parte mais difícil. Ninguém vive só na oficina. Contudo, a coisa mais importante é, sem dúvidas, estudar muito. Pode parecer um pouco bobagem, um jargão que todo mundo sempre escuta “nunca pare de estudar”, mas em restauro o conhecimento é a base de tudo. Se você não reconhece um material, uma forma de montar algo, uma peça ou mesmo um nome, pare e estude. Saber algo ou não saber é uma diferença gigantesca em restauro. Uma informação errada ou imprecisa pode custar um processo ser feito de maneira errônea – o que, nos piores casos, pode ser irreversível – ou mesmo ser cobrado de forma indevida, tanto para você, quanto para o cliente. Não tenha vergonha de não saber, mas estude e busque quem lhe ensine.