Procissão do Fogaréu: tradição centenária aguarda registro como Patrimônio Cultural pelo Iphan - Elysium Sociedade Cultural

Na penumbra da noite, o som grave dos tambores rompe o silêncio. O clarão das tochas ilumina as ruas de pedra da, revelando figuras encapuzadas que seguem apressadas, carregando em suas mãos o fogo que encena a busca por Cristo. Assim, a cidade de Goiás se transforma em um palco vivo de devoção e história durante a Procissão do Fogaréu, um dos mais emblemáticos ritos da Semana Santa no Brasil.

Essa tradição, trazida ao Brasil no século XVIII pelo padre espanhol Perestelo de Vasconcelos, tem origem em cerimônias realizadas na Espanha, especialmente em Sevilha e Toledo. Em solo vilaboense, a manifestação ganhou identidade própria, sendo celebrada anualmente, sempre à meia-noite da Quinta-Feira Santa, quando a cidade de Goiás apaga suas luzes e revive a perseguição e a captura de Cristo.

Os protagonistas desse cortejo são os farricocos, personagens envoltos em mistério e simbolismo. Vestidos com longas túnicas e capuzes cônicos que cobrem seus rostos, representam os soldados romanos que partiram para prender Jesus no Monte das Oliveiras. Com suas tochas em mãos, eles percorrem as ruelas coloniais da antiga capital de Goiás, criando um cenário de dramaticidade e intensidade visual.

O ritual começa no Museu de Arte Sacra da Boa Morte, de onde os farricocos partem ao som dos tambores. Seu primeiro destino é o Santuário de Nossa Senhora do Rosário, onde encontram uma mesa vazia, simbolizando a última ceia. De lá, seguem para a Igreja de São Francisco de Paula, no alto do outeiro, representando o Monte das Oliveiras, onde finalmente encontram e prendem Cristo, figurado em um estandarte de linho pintado pela artista Maria Veiga, descendente do renomado mestre Veiga Valle.

Reconhecimento estadual e processo de registro federal

A Procissão do Fogaréu já foi oficialmente reconhecida como Patrimônio Cultural e Imaterial pelo Estado de Goiás por meio da Lei nº 21.855, de abril de 2023. No entanto, o processo de registro a nível federal, conduzido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ainda está em andamento.

O pedido de registro das Procissões da Semana Santa da Cidade de Goiás foi instaurado em 2020 e, atualmente, encontra-se na etapa de pesquisa para a elaboração do dossiê, conforme explica a historiadora e técnica responsável pelo Patrimônio Imaterial em Goiás, Renata Galvão. “Já recebemos a pertinência da Câmara Setorial, o que significa que o Iphan considera a manifestação relevante para continuar no processo de reconhecimento. Agora, precisamos concluir as pesquisas, documentação audiovisual e produção fotográfica para encaminhar o material para análise”.

Segundo a historiadora, o processo de registro envolve diversas etapas, desde a análise documental inicial até a validação pelo Conselho Consultivo do Iphan. Ela esclarece que, um dos desafios atuais é a obtenção de recursos para viabilizar a continuidade do processo. “Estimamos que essa fase precise de aproximadamente R$ 250 mil, mas ainda estamos em busca desse financiamento”, ressalta Galvão.

Ao final do processo, caso a Procissão do Fogaréu seja reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro, será formado um Comitê de Salvaguarda, composto por representantes da comunidade, pesquisadores e agentes públicos. Esse comitê será responsável por estruturar um plano de ação para garantir a sustentabilidade da manifestação.

Enquanto o processo de registro aguarda conclusão, a tradição segue viva, preservada e reinventada a cada ano pela comunidade vilaboense. Mais do que um evento religioso, a Procissão do Fogaréu permanece como um dos mais importantes legados culturais de Goiás, mantendo acesa a chama da fé e da história na antiga Vila Boa.

 

Texto: Thalita Braga

Foto: Secom Governo de Goiás

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