Projeto de consolidação das Ruínas de Macacu avança e exige trabalho minucioso de profissionais da Elysium  - Elysium Sociedade Cultural

A Ruína da Igreja de São José da Boa Morte, erguida a partir de 1734 e tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural  do Rio de Janeiro, desde 1989, está passando pela primeira vez por obras de conservação e consolidação, no município de Cachoeiras de Macacu. A ação integra o projeto de consolidação das ruínas e implantação de novo uso conduzido pela Elysium Sociedade Cultural, em parceria com a Prefeitura de Cachoeiras de Macacu e a Nova Transportadora do Sudeste (NTS), por meio da Lei de Incentivo à Cultura.

O projeto tem como objetivo garantir a estabilidade dos remanescentes do edifício histórico da antiga igreja, correspondendo às alvenaria mistas de pedra e tijolo e, principalmente, a leitura do conjunto tombado e ampliar o potencial de uso público, por meio de um projeto que visa criar novas inserções na preexistência com usos mais adequados a contemporaneidade. Neste, está prevista a criação de uma plataforma de observação (mirante). Além disso, o projeto ainda prevê a construção de um centro comunitário e a oferta de oficinas e visitas guiadas para a comunidade.

Para chegar a essas intervenções, uma série de pesquisas arquitetônicas e testes técnicos foram conduzidos no sítio histórico pela equipe técnica da Elysium Sociedade Cultural. Segundo a arquiteta residente da obra, Carolina Gonzales, durante o período de levantamento já se evidenciava fissuras nas alvenarias, ausência de pisos ou contrapiso na nave principal, além de vegetação que se desenvolvia nos topos das alvenarias, o que fragilizava completamente a estabilidade das paredes e acelerava sua deterioração.

Uma das arquitetas do projeto, Jessica Marques, responsável pelas pesquisas e pelo acompanhamento dos testes técnicos, explica que a presença simultânea de diversas patologias, como citadas anteriormente, exigiu um plano de ação preciso e cuidadoso. “Quando chegamos às ruínas, precisávamos compreender cada patologia para definir métodos de intervenção que respeitassem o monumento, garantissem sua estabilidade, fossem compatíveis com o uso futuro e, principalmente, com o lugar em que está inserido”, explica.

Do diagnóstico à intervenção

A partir desse diagnóstico, teve início uma das etapas mais importantes do processo: os testes de materiais e a aderência dos revestimentos históricos. A equipe realizou a extração de amostras da argamassa original, com o objetivo de compreender a composição utilizada no século XVIII. O processo envolveu testes de cor, textura e aderência para definir a melhor solução para cada tipo de alvenaria do conjunto.

O engenheiro Pedro Carim destaca que respeitar os materiais antigos é essencial para garantir durabilidade e compatibilidade estrutural. “A argamassa precisa dialogar com o material original. Não se trata apenas de ‘colar’ pedras ou tijolos, mas de permitir que a alvenaria respire, expanda e trabalhe da forma como foi concebida. As misturas que testamos foram definidas para recompor esse comportamento, garantindo que a consolidação não gere tensões indesejadas”, esclarece o especialista em restauro.

Pedro também explica que argamassas modernas, como as que são à base de cimento, foram descartadas, já que poderiam causar rupturas ou acelerar o desgaste das paredes.

Outra etapa decisiva envolveu os testes de percussão nas fachadas, que permitiram identificar áreas do revestimento ainda aderidas e regiões completamente descoladas. “A percussão, em que leves batidas são aplicadas para avaliar o som e, com isso, a aderência revelou que grande parte do revestimento remanescente estava solta e não poderia ser recuperada”, pontuou a arquiteta responsável pelo projeto.

Jessica detalha o processo: “Recomendamos a remoção apenas das áreas em risco de colapso, assim como a consolidação de todos os elementos ornamentais remanescentes. Onde o revestimento ainda apresentava boa aderência e onde havia ornamentos, frontões, cornijas e trechos próximos às aberturas, a diretriz foi preservá-lo para manter a leitura original da arquitetura. É um equilíbrio entre retirar o que representa perigo e conservar o que ancora a memória material do edifício”, explica. A remoção foi feita manualmente, com ferramentas delicadas para evitar danos ao substrato arqueológico.

Redescoberta de piso cerâmico

Além das paredes, durante os estudos, foram identificados fragmentos de um antigo piso cerâmico na nave lateral. A equipe solicitou, então, a limpeza completa da área para a documentação integral.

Carolina, que também é moradora de Cachoeiras de Macacu, acompanhou de perto essa etapa, considerada um dos momentos mais emocionantes do projeto. “Quando começamos a remover cuidadosamente as camadas de terra, o piso antigo começou a reaparecer. Documentar esse pavimento é como trazer de volta uma parte da história que estava escondida. São detalhes que conectam o presente ao passado e reforçam a importância de preservar esse lugar”, afirmou.

O piso foi fotografado e registrado para compor o acervo histórico do projeto e orientar futuras decisões de restauro.

Proteção dos topos das paredes

Após a remoção da vegetação, a equipe se deparou com um problema estrutural grave: os topos das paredes estavam expostos à ação direta da chuva, permitindo a infiltração de água e acelerando a desagregação da argamassa das alvenarias. A solução encontrada foi tanto técnica quanto histórica, explica Jessica, que optou por utilizar telhas cerâmicas remanescentes do próprio monumento para proteger as superfícies horizontais.

Segundo Jessica, a escolha preserva a autenticidade do material e cumpre uma função prática decisiva. “As telhas cerâmicas existentes são compatíveis com a materialidade da igreja e funcionam como uma camada protetora bastante eficiente. Elas impedem a infiltração direta de água, prolongam a vida útil da parede e respeitam a estética original do conjunto”.

O assentamento das telhas exigiu preparação prévia. “Foi feita a aplicação de uma fina camada de cimento, reforçada com agente hidrofugante, para nivelamento. Em seguida, a instalação de duas fileiras de telhas, ajustadas com inclinação específica devido ao desnível dos topos das paredes. Logo após esta etapa, foi feita a fixação cuidadosa das peças, garantindo estabilidade sem comprometer a reversibilidade da intervenção”, detalhou.

Para o engenheiro Pedro, essa etapa é uma das mais importantes do processo de consolidação. “Cobrir os topos das paredes é essencial para evitar que a água da chuva penetre e cause danos irreversíveis. A solução com telhas cerâmicas mantém a compatibilidade original e protege as superfícies mais vulneráveis da estrutura”, garantiu.

Preservação e pertencimento

O trabalho de consolidação das Ruínas de São José da Boa Morte é apenas a primeira etapa de um projeto maior, que inclui a instalação de um mirante, a construção do Centro Comunitário e ações de contrapartida social, como oficinas e visitas guiadas para escolas públicas que garante o uso desse espaço pela comunidade.

Para Carolina, que acompanha diariamente o canteiro, esse esforço representa um passo decisivo na relação da comunidade com seu próprio patrimônio. “Preservar as ruínas é preservar nossa identidade. Cada etapa que concluímos fortalece o vínculo da população com sua história e abre novas possibilidades para o futuro do município.”

Enquanto as equipes avançam nas obras, o conjunto ganha novas camadas de significado,  tornando-se, ao mesmo tempo, testemunha do passado e promessa de um novo tempo, em que o patrimônio histórico se transforma em ponto de encontro, educação e valorização comunitária. É esse o grande compromisso da Elysium com a cultura, torná-la acessível a todos!

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