Reinados e Congados são reconhecidos como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Iphan - Elysium Sociedade Cultural

Após 17 anos de mobilização e construção coletiva, os Reinados e Congados foram oficialmente reconhecidos como Patrimônio Cultural do Brasil. A decisão foi tomada por unanimidade na última terça-feira (18), durante a 109ª reunião do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O registro foi feito no Livro dos Saberes, dedicado a expressões que envolvem modos de fazer enraizados no cotidiano de comunidades brasileiras.

A conquista é fruto do trabalho de mestres, mestras, pesquisadores e comunidades tradicionais dos estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo, onde a tradição afro-brasileira é mantida viva através da música, dança, devoção religiosa e da memória ancestral.

Mais do que uma celebração festiva, os Reinados e Congados representam uma herança coletiva que resiste ao tempo, ao racismo estrutural e às tentativas históricas de apagamento. Através de práticas como a coroação de reis e rainhas congos, cortejos, rezas, cantos e danças, as comunidades preservam e atualizam rituais que remontam aos séculos XVII e XVIII, quando africanos escravizados e seus descendentes criaram formas de resistência cultural e espiritual em território brasileiro.

“O que realizamos nesta reunião foi um ato de reparação histórica, um ato de justiça social”, afirmou o presidente do Iphan, Leandro Grass. O registro, segundo ele, reafirma o compromisso do instituto com a salvaguarda dos patrimônios culturais afro-brasileiros, reconhecendo os saberes do Rosário como elementos fundamentais para a identidade do país.

A conselheira e relatora do processo, Alessandra Ribeiro Martins, historiadora, mestra detentora de saberes e liderança da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, em Campinas (SP), destacou que essa manifestação se expressa não apenas nos ritos festivos, mas também no modo de vida de toda uma comunidade forjada na ancestralidade africana. “Esses saberes constroem comunidades fortalecidas por um modo de vida ancestralizado, que expressa as habilidades dos povos negros para a resistência cultural, a produção de comunidades afetivas e identidades culturais poderosas”, ressaltou.

Congadas de Catalão
Um dos maiores e mais tradicionais festejos congadeiros do Centro-Oeste acontece em Catalão, no sudeste goiano. Celebrada desde 1876, a Festa em Louvor a Nossa Senhora do Rosário reúne dezenas de ternos de Congada e grupos de Reinado, movimentando a cidade com rituais religiosos, música, dança e forte expressão de fé.

Organizada pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, a festa acontece todos os anos no mês de outubro e se estende por vários dias. A programação inclui alvoradas, rezas, terços, novenas, missas, desfiles solenes, entrega das coroas e cortejos com os andores de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.

Para o diretor institucional da Elysium, Robson de Almeida, mais do que uma manifestação folclórica, a Congada de Catalão expressa o sincretismo religioso entre o catolicismo e as religiões de matriz africana. “Seus cantos, figurinos, instrumentos e coreografias evocam as culturas do Congo, Angola e Moçambique, preservando a memória coletiva dos povos africanos escravizados e de seus descendentes no Brasil. É uma festa que transforma a cidade em um grande palco de devoção e resistência, atraindo visitantes de todo o estado e fortalecendo laços da comunidade. O reconhecimento do Iphan chega como instrumento de salvaguarda, garantindo visibilidade e apoio para a continuidade desse patrimônio vivo”, afirma.

Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Pirenópolis
Outro importante centro da cultura congadeira goiana é Pirenópolis, onde o Reinado de Nossa Senhora do Rosário e o Juizado de São Benedito são realizados desde o século XVIII. A festa é organizada por irmandades que remontam ao período colonial e congregam descendentes de negros escravizados e libertos, mantendo rituais que unem religiosidade, identidade étnica e cultura popular.

A celebração é marcada pela distribuição farta de comidas, especialmente doces e salgados coloridos, e por símbolos próprios como bandeiras, coroas, cetros e trajes tradicionais. Diferentemente de outras festividades populares da cidade, como a Festa do Divino, os personagens principais do Reinado: o rei, a rainha, o juiz e a juíza são escolhidos pelo andador da festa, e não por sorteio.

Durante a celebração, as ruas históricas de Pirenópolis são tomadas por cortejos, cantos e danças, conectando passado e presente, espiritualidade e luta. A festa reforça o papel central das irmandades afrodescendentes na formação do tecido social e cultural da cidade.

Assim como em Catalão, o Reinado em Pirenópolis representa uma resistência silenciosa, mas poderosa, frente às violências históricas sofridas pelas populações negras. Com o novo status de patrimônio cultural, essa manifestação ganha reforço institucional para sua preservação, difusão e valorização. “Com o reconhecimento oficial pelo Iphan, os Reinados e Congados se afirmam como pilares da cultura popular afro-brasileira, perpetuando a memória dos ancestrais em cada canto, passo e oração. Em tempos em que a diversidade e os direitos culturais são constantemente ameaçados, o registro representa não apenas uma homenagem, mas uma ferramenta concreta de proteção e continuidade dessas tradições seculares”, destaca Robson.

 

Foto: Divulgação Governo de Goiás

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