Ofício, Saberes e Práticas das Parteiras Tradicionais do Brasil: um patrimônio cultural vivo - Elysium Sociedade Cultural

No mês de maio, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu o “Ofício, Saberes e Práticas das Parteiras Tradicionais do Brasil” como Patrimônio Cultural do Brasil. Este reconhecimento, aprovado unanimemente durante a 104ª Reunião do Conselho Consultivo do Iphan, insere esse ofício no Livro de Registro dos Saberes, ao lado de outras tradições culturais imateriais brasileiras como o Ofício das Baianas de Acarajé e os Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal.

Os saberes e práticas das parteiras tradicionais não se limitam a uma região específica do país. São um patrimônio nacional, presente em diversas comunidades, sobretudo nas zonas rurais, urbanas periféricas, quilombolas e indígenas. Essas práticas são transmitidas de geração em geração, atualizando-se com o tempo e mesclando conhecimentos tradicionais, religiosos e biomédicos. As parteiras tradicionais desempenham um papel crucial na vida de muitas comunidades, oferecendo um cuidado contínuo e integral que abrange desde o pré-natal até o pós-parto, incluindo processos fitoterapêuticos, prescrições alimentares, mediação religiosa e regimes de conduta social.

O reconhecimento das parteiras tradicionais como patrimônio cultural imaterial destaca a importância dessas mulheres como mestras de um ofício ancestral que continua a ser vital para muitas populações historicamente desassistidas pelo Estado. O dossiê elaborado pelo Iphan e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 2021 enfatiza que as parteiras não são apenas assistentes de partos, mas provedoras de um cuidado holístico que beneficia toda a comunidade.

Dona Flor: um ícone em Alto Paraíso de Goiás

Entre as muitas parteiras que se destacam por sua dedicação e habilidade, Florentina Pereira dos Santos, conhecida como Dona Flor, é um exemplo notável. Em Alto Paraíso de Goiás, Dona Flor não só ajudou a trazer ao mundo 310 crianças, como também criou 18 filhos biológicos e adotou outros 28. Sua atuação transcendeu a de uma parteira tradicional: ela foi raizeira, mestra quilombola, ex-garimpeira, tropeira, quitandeira, tecelã e agente de saúde. Mesmo após sua morte, em agosto de 2023, seu legado permanece.

Dona Flor não apenas realizou partos, mas também se dedicou à formação de novas parteiras e doulas, transmitindo seus vastos conhecimentos adquiridos ao longo de sua vida. Ela afirmava que a parteira nasce com um dom divino, uma sabedoria intrínseca que não pode ser ensinada, mas concedida por Deus. Seu trabalho ilustra a profundidade e a espiritualidade envolvidas no ofício do partejar humanizado.

O depoimento de Dona Flor captura a essência do que significa ser uma parteira tradicional: “Em primeiro lugar, parteira não aprende ser parteira, a parteira já nasce! Com todo mistério! Não tem ninguém que aprende, Deus dá o dom pra ela. (…) Se ela não tem o espírito de parteira, como ela faz? Qual o espírito que ela vai invocar nela pra fazer esse parto? No hospital, tudo bem: os médicos cortam aqui, mexe acolá, dá uma injeção. Mas o parto humanizado, minha filha, não é brincadeira não! Parteira tem que ter sabedoria. (…) O dom vem a hora que Deus quer. Por que não é todo mundo que é parteira? Porque não é todo mundo que tem o dom de Deus! Porque Deus escolhe.”

A atuação de Dona Flor e de outras parteiras tradicionais é um testemunho vivo da importância dessas práticas para a saúde e o bem-estar das comunidades brasileiras. O reconhecimento pelo Iphan garante que esses saberes sejam preservados e valorizados, destacando a relevância cultural e social dessas práticas no Brasil contemporâneo.

O “Ofício, Saberes e Práticas das Parteiras Tradicionais do Brasil” como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil representa um marco significativo na valorização das tradições populares e do cuidado comunitário, assegurando que essas práticas essenciais continuem a beneficiar futuras gerações.

Com informações do dossiê “Parteiras Tradicionais do Brasil” – Iphan

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